Seguem considerações a respeito do Decreto nº 10.854, de 10 de novembro de 2021, regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista e institui o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais e o Prêmio Nacional Trabalhista.
PROGRAMA PERMANENTE DE CONSOLIDAÇÃO, SIMPLIFICAÇÃO E DESBUROCRATIZAÇÃO DE NORMAS TRABALHISTAS INFRALEGAIS
O Programa Permanente de Consolidação, Simplificação tem a finalidade de Desburocratizar as Normas Trabalhistas Infralegais tem como objetivo revisar, compilar e consolidar as normas trabalhistas infralegais.
Os aspectos práticos do Programa merecem aplauso e apoio das entidades empresariais, visto que têm como objetivo a segurança jurídica infralegal, tão necessária à atração de investimentos, e manutenção saudável da atividade empresarial, que, ao final, geram empregos, distribuem renda e promovem inclusão social.
Em linhas gerais , o Programa, por esta razão, é bem-vindo, visto que promove a conformidade às normas trabalhistas infralegais e o direito ao trabalho digno; busca a simplificação e a desburocratização do marco regulatório trabalhista, de modo a observar o respeito aos direitos trabalhistas e a redução dos custos de conformidade das empresas; aprimora a interação do Ministério do Trabalho e Previdência com os administrados; amplia a transparência do arcabouço normativo aos trabalhadores, aos empregadores, às entidades sindicais e aos operadores do direito por meio do acesso simplificado ao marco regulatório trabalhista infralegal; promove a integração das políticas de trabalho e de previdência; e a melhoria do ambiente de negócios, o aumento da competitividade e a eficiência do setor público, para a geração e a manutenção de empregos.
Todos estes elementos são sinônimos de segurança jurídica, como dito,
O Programa tomou a cautela de, neste processo, realizar as alterações e ajustes nas normas infralegais, afastando-se da possibilidade de judicialização, o que levaria à sua paralização no cumprimento, visto a insegurança jurídica gerada. Saudável, portanto, seus objetivos voltados às questões infralegais.
Os atos normativos a serem editados, de acordo com o Decreto 10.854, de 10 de novembro de 2021, seguem outro Decreto, de n. 10.139, de 28 de novembro de 2019, que dispõem sobre a revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decretos editados por órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, demonstrando a preocupação do governo Federal com a desburocratização trabalhista, o que impacta positiva e fortemente na atração de investimento, o que deve ser aplaudido.
PRÊMIO NACIONAL TRABALHISTA
O Decreto 10.854 institui o Prêmio Nacional Trabalhista com a finalidade de estimular a pesquisa nas áreas de direito do trabalho, segurança e saúde no trabalho, economia do trabalho, auditoria-fiscal do trabalho, além de temas correlatos a serem estabelecidos pelo Ministério do Trabalho e Previdência.
Trata-se de saudável iniciativa no sentido do fomento da pesquisa no âmbito das relações do trabalho, em especial da economia do trabalho.
A ausência de textos abordando as questões de proteção do trabalho, em especial da empresa, esta compreendida como a geradora dos empregos, faz com que este prêmio seja bem-vindo. Iniciativa que deve ser louvada.
III - Livro de Inspeção do Trabalho
Inova o Decreto 10.854, ao prever a disponibilização do Livro de Inspeção do Trabalho em meio eletrônico.
Como se sabe, a obrigatoriedade da presença física/impressa do Livro de Inspeção do Trabalho, era fonte de alta insegurança jurídica. Isso porque, nem sempre as empresas, em suas múltiplas unidades, podiam disponibilizar os livros físicos/impressos, motivo pelo qual tínhamos uma alta incidência de multas neste âmbito.
Trata-se de medida altamente positiva, principalmente para as micro e pequenas empresas, que podem, a partir de agora, dispor de Livros Eletrônicos do Trabalho, o que facilita a sua gestão, bem como a própria fiscalização do trabalho.
Este é impacto das tecnologias no âmbito trabalhista, que foi positivamente identificado pelo Decreto nº 10.854, proporcionando a racionalização e simplificação do cumprimento das obrigações trabalhistas e das obrigações não tributárias impostas pela legislação previdenciária, através do eLIT.
A disponibilização eletrônica do Livro de Inspeção do trabalho é um antigo pleito dos empresários.
Ademais, o eLIT consolida o princípio da boa-fé. Isto poque, antes do eLIT, a ausência do Livro impresso/físico, implicava imediatamente multa para as empresas que não os apresentassem, gerando imenso passivo trabalhista.
FISCALIZAÇÃO DAS NORMAS DE PROTEÇÃO AO TRABALHO E DE SEGURANÇA NO TRABALHO
Institui o Decreto nº 10.854/21 canais eletrônicos de denúncias sobre irregularidades e dos pedidos de fiscalização trabalhista.
A denúncias eletrônicas poderão ser utilizadas como fonte de informações nas fases de elaboração e execução do planejamento da inspeção do trabalho e terão prioridade em situações específicas, na forma estabelecida em ato do Ministro de Estado do Trabalho e Previdência, especialmente quando envolverem risco grave e iminente à segurança e à saúde de trabalhadores, ausência de pagamento de salário, trabalho infantil, ou trabalho análogo ao de escravo.
Trata-se de medida de modernização das fiscalizações do trabalho, consolidando a fiscalização eletrônica do trabalho, que de certa forma já acontecia, o que pode otimizar os procedimentos do Auditor-Fiscal do Trabalho e auxiliar na correção das irregularidades.
Trata-se aqui do semelhando E-Social, só que voltada à fiscalização eletrônica do trabalho, não impedindo que as chefias designem auditores do trabalho in loco, para verificação das denúncias eletrônicas. É um complemento à fiscalização presencial.
Será garantida a confidencialidade da identidade dos usuários dos canais eletrônicos, hipótese em que será vedado a qualquer pessoa que obtiver acesso à referida informação revelar a sua origem ou a fonte da fiscalização, que ficará sujeita a penalidade prevista em legislação específica.
Como se pode notar, trata-se de importante medida, onde a tecnologia impacta positivamente sobre as relações de trabalho, até porque, o Auditor-Fiscal do trabalho não tem a missão meramente repressora/punitiva, mas também educativa/preventiva, valendo-se de instrumentos tecnológicos para identificar a sanar possíveis irregularidades.
O Decreto nº 10.854/21 estabelece capítulo específico para “atuação estratégica e preventiva do trabalho”, por meio de ações especiais setoriais para a prevenção de acidentes de trabalho, de doenças relacionadas ao trabalho e de irregularidades trabalhistas, a partir da análise dos dados de acidentalidade e adoecimento ocupacionais e do mercado de trabalho, na forma estabelecida em ato do Ministro de Estado do Trabalho e Previdência.
Tem como objetivo a instauração da cultura preventiva educativa, no cumprimento da legislação trabalhista, o que deve ser louvado.
Isto porque permite a atuação e execução de ações especiais e ações coletivas para prevenção e saneamento das irregularidades.
As ações coletivas para prevenção e saneamento de irregularidades são iniciativas fora do âmbito das ações de fiscalização, que permitem o diálogo setorial e interinstitucional, e a construção coletiva de soluções.
Inegável medida de solução pacífica das irregularidades trabalhista, que significa menor possibilidade de judicialização, tema tão caro às empresas.
O Decreto nº 10.854/21 permite, ainda, a defesa administrativa por parte das empresas. Neste sentido, exige que o Auditor-Fiscal do Trabalho fundamente precisamente seu auto de infração, sob pena de nulidade. Este é um pleito das empresas, visto não raro autos de infração sem o devido fundamento legal, ou mesmo com fundamentos ininteligíveis, o que dificultava a defesa das empresas.
DIRETRIZES PARA ELABORAÇÃO DAS NORMAS REGULAMENTADORAS
Dentre as novidades positivas, o Decreto confere a possibilidade de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos do art. 170 da Constituição, e na Lei Complementar nº 123, de 2006, quando o nível de risco ocupacional assim permitir.
Trata-se de saudável medida que se vale do princípio da isonomia, tão aplicado aos trabalhadores, mas esquecido quando se trata das empresas.
Tratar desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade, é medida necessária, considerando a capacidade econômica das micro e pequenas empresas, inclusive no que tange os riscos ocupacionais.
Nem todas as empresas têm a mesma condição e capacidade para implementar medidas de segurança no trabalho, com a mesma velocidade, visto sua capacidade de investimento nesta seara.
Ademais, cria positivas restrições na elaboração e na revisão de normas regulamentadoras, que criam reserva de mercado ao favorecer segmento econômico em detrimento de concorrentes; que exijam especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim pretendido; ou enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, exigindo ainda que as normas regulamentadoras sejam redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, e apresentarão conceitos técnicos e objetivos, sinônimo de segurança jurídica.
CERTIFICADO DE APROVAÇÃO DO EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL
O Decreto traz a simplificação da comercialização dos equipamentos de proteções individuais.
Segunda diretriz trazida no decreto, o Ministro de Estado do Trabalho e Previdência disporá sobre os procedimentos e os requisitos técnicos para emissão, renovação ou alteração do certificado.
O certificado de aprovação de equipamento de proteção individual será emitido por meio de sistema eletrônico simplificado.
As informações prestadas e as documentações e os relatórios apresentados serão de responsabilidade do requerente e serão considerados para fins de emissão do certificado.
Trata-se de normatização clara e objetiva para a comercialização de EPIs.
Em termos gerais, o Decreto 10.854/21, nos pontos acima analisados, traz inegáveis benefícios à otimização dos empreendimentos econômicos, ao desburocratizar medidas até então complexas e de difícil compreensão, no âmbito trabalhista, o que, ao final, significa, para as empresas, transparência e segurança jurídica no cumprimento das normas trabalhistas.
Não há dúvida de que as medidas acima referidas merecem apoio integral do setor produtivo.
Relativamente ao registro eletrônico de controle de jornada, o Decreto nº 10.854/2021 foi expresso em determinar que os sistemas e equipamentos de controle não poderão exigir prévia autorização para sobrejornada. No entanto, possibilitou a pré-assinalação do período de intervalo e a utilização do ponto por exceção.
Vale relembrar que a reforma trabalhista de 2017 já havia autorizado o emprego do ponto por exceção, por meio de acordo individual escrito, CCT ou ACT, conforme disposto no art. 74, §4º, da CLT.
Assim, quando uma empresa adota o controle de ponto por exceção, os empregados não precisam registrar todo o horário de trabalho, apenas as alterações na jornada normal, ou seja, as horas extras.
A recomendação que se faz aos empregadores é que, quando adotado o controle por exceção, que seja observado a rigor o art. 74, § 4º da CLT, eis que a matéria ainda não é pacífica pela jurisprudência, embora seja autorizada pela reforma trabalhista e agora pelo Decreto nº 10.854/21.
Vale mencionar o item que se tornou um verdadeiro atrativo a respeito do capítulo VII do Decreto em comento, de agora em diante, as empresas poderão optar por novas tecnologias e software especializados para o controle de jornada, dentre elas o reconhecimento facial, digital e até por celular, de modo que ficou permitido soluções inovadoras e a garantia de concorrência entre os ofertantes desses sistemas.
No tocante a novidade, é importante dizer que, diversas Convenções Coletivas celebradas pela FecomercioSP, já estão alinhados com a autorização para a pratica do controle alternativo de jornada com a modernidade tecnológica.
Também conhecida como gratificação natalina ou como décimo terceiro salário. Podemos dizer que a Lei nº 4.090/62, bem como a Lei nº 4.749/65, não sofreu grandes modificações em seus dispositivos.
Mas vale mencionar que o art. 77 do Decreto nº 10854 expressamente estabeleceu a forma de cálculo aos empregados com salários variáveis: será calculada na base de um onze avos da soma dos valores variáveis devidos nos meses trabalhados até novembro de cada ano e será adicionada àquela que corresponder à parte do salário contratual fixo, quando houver. Ainda, “até o dia 10 de janeiro de cada ano, computada a parcela do mês de dezembro, o cálculo da gratificação de Natal será revisto para um doze avos do total devido no ano anterior, de forma a se processar a correção do valor da respectiva gratificação com o pagamento ou a compensação das possíveis diferenças”.
No tocante ao vale-transporte, os pontos que merecem destaques no Decreto nº 10.854/2021, são indicados a seguir:
O parágrafo único do art. 108, que determinou que o benefício não pode ser empregado nos serviços de transporte privado coletivo e transporte público individual.
E também o art. 110 que lançou mão de proibir o empregador em poder substituir o vale-transporte por antecipação em dinheiro ou ainda qualquer outra forma de pagamento, exceto quanto ao empregador doméstico, ressalvado no caso de indisponibilidade operacional da empresa operadora e de falta ou insuficiência de estoque de vale-transporte necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema, caso em que o beneficiário será ressarcido pelo empregador.
A respeito dos dois dispositivos comentados, o valor do vale-transporte não poderá ser utilizado para ressarcir o empregado de custos por utilização de transportes realizados por meio de plataformas digitais, por exemplo “taxi99 ou uber”, exceto no caso de indisponibilidade do sistema operacional ou insuficiência de vale-transporte. Nesses casos, em conformidade com o parágrafo único do art. 110, o beneficiário será reembolsado pela empresa na folha de pagamento imediata, quando tiver realizada a despesa para o seu deslocamento por conta.
RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES SOCIAL - RAIS
Como o objetivo do decreto foi consolidar e desburocratizar diversas regras esparsas para diminuir a complexidade ao acesso aos dispositivos para regular o tema em questão, de modo geral, a reforma foi positiva nesse aspecto, tornando o conteúdo e as determinações relativas ao RAIS mais cristalinas.
O Decreto repete várias disposições que já constam da Lei nº 6.019/74. Todavia, apontamos as seguintes:
Após repetir a definição legal de demanda complementar de serviços (a oriunda de fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal), o decreto inova ao dispor que não se considera complementar a demanda contínua ou permanente, bem como a decorrente da abertura de filiais.
Outra inovação do decreto é a criação de obrigações não previstas na Lei 6.019/74, que destacamos a seguir:
O decreto deixa claro que:
Não houve nenhuma alteração em relação à legislação vigente.
O decreto fixa regras para a conversão e remessa da remuneração paga em reais ao trabalhador no exterior, inclusive na rescisão do contrato.
Não houve grandes alterações no que diz respeito ao DSR. Houve uma atualização de redação por conta da Lei nº 605/49 em face do tempo decorrido desde sua edição, mas os princípios foram mantidos. Já em relação ao trabalho em feriados, o decreto não tão claro dando margem a dúvidas e questionamentos.
Um exemplo é a disposição do parágrafo primeiro do art. 154, a seguir transcrito:
Art. 154. Comprovado o cumprimento das exigências técnicas, nos termos do disposto no art. 1º da Lei nº 605, de 1949, será admitido o trabalho nos dias de repouso, garantida a remuneração correspondente.
§ 1º Para fins do disposto neste Capítulo, constituem exigências técnicas aquelas que, em razão do interesse público ou das condições peculiares às atividades da empresa ou ao local onde estas atuem, tornem indispensável a continuidade do trabalho, em todos ou alguns de seus serviços.
O trabalho nos dias de repouso (domingos e feriados) continua a ser permitido nos termos das exigências técnicas das empresas. Nesse aspecto, o conceito de exigências técnicas continua seguindo os mesmos princípios da Lei nº 605/49, ou seja, considera-se exigência técnica aquilo que, pelas condições peculiares às atividades da empresa, ou em razão do interesse público, tornem indispensável a continuidade do serviço.
A “novidade” está no parágrafo primeiro. Neste caso, acrescentou-se à caracterização de exigências técnicas o local onde as empresas atuem, significando, por exemplo, que as estâncias turísticas se enquadrariam como tal.
O parágrafo terceiro desse mesmo artigo manteve o princípio de remuneração para o trabalho em feriados, ou seja, o pagamento em dobro ou a concessão de folga compensatória.
§ 3º Nos serviços em que for permitido o trabalho nos dias de repouso, a remuneração dos empregados que trabalharem nesses dias será paga em dobro, exceto se a empresa determinar outro dia de folga.
O parágrafo quarto dispõe que a permissão para o trabalho nos dias de repouso, em caráter permanente, nas atividades que se enquadrarem nas exigências técnicas, se dará por ato do Ministro de Estado do Trabalho e Previdência.
§ 4º Ato do Ministro de Estado do Trabalho e Previdência concederá, em caráter permanente, permissão para o trabalho nos dias de repouso às atividades que se enquadrarem nas exigências técnicas de que trata o caput.
Esclarecemos que essa disposição abre caminho para a autorização do trabalho nos feriados para atividades que, hoje, não a possuem, por ato do Executivo, no caso, o Ministério do Trabalho. É claro que ainda se requer a observância das exigências técnicas pelas empresas, mas ele indica a possibilidade de uma flexibilização maior.
Frisa-se que não houve alteração quanto à permissão para o trabalho nos dias de repouso quando ocorrer motivo de força maior ou para atender à realização ou à conclusão de serviços inadiáveis, conforme já prevê o art. 8º do Decreto nº 27.048 de 12 de agosto de 1949.
Sob este assunto, importante fazer referências à Portaria nº 671, do MTP, que regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista, à inspeção do trabalho, às políticas públicas e às relações de trabalho, por ora, o importante é destacar que em sua Seção II, art. 62, é concedida autorização em caráter permanente para o trabalho em domingos e feriados nas atividades constantes do seu Anexo IV, dentre as quais aquelas relativas ao comércio em geral (item 23).
Seção II
Da autorização permanente para trabalho aos domingos e feriados
Art. 62. É concedida, em caráter permanente, autorização para o trabalho aos domingos e feriados, de que tratam os art. 68 e art. 70 do Decreto-Lei nº 5.452, de 1943 - CLT, às atividades constantes do Anexo IV desta Portaria.
ANEXO IV
Autorização PERMANENTE para o trabalho aos domingos e feriados
II - COMÉRCIO
23) comércio em geral;
Em linhas gerais, é exatamente o que dispõe a Portaria nº 604, de 18 de junho de 2019, muito contestada quando de sua edição, por se sobrepor à Lei 10.101/00 que exige a celebração de convenção coletiva para o trabalho em feriados. Curioso é que pode parecer um detalhe, mas o destaque para a palavra PERMANENTE, contida no preâmbulo do anexo consta de sua própria edição, o que, para mim, significa que essa é REALMENTE a intenção de quem a editou.
A meu ver, sobre esse assunto, ainda vai por algum tempo permanecer a dúvida sobre a hierarquia das leis.
A partir de janeiro/2021 o governo já havia dado indicações sobre a possibilidade de editar atos normativos abrangendo o PAT, o que acabou fazendo, tendo apresentando propostas objetivando a simplificação de normas trabalhistas, adotando procedimento de submetê-las a procedimentos de Consultas Públicas. Agora, com a edição do decreto, aquilo que era uma intenção passou a ter respaldo legal.
Numa primeira análise, as medidas são muito negativas ao Programa. Neste sentido, descantamos dois pontos que são os mais prejudiciais, a saber:
Em relação aos “arranjos de pagamento”, ele está previsto no art. 177, abaixo transcrito, que admite, inclusive, o “arranjo aberto”.
Art. 177. As empresas facilitadoras de aquisição de refeições ou gêneros alimentícios organizados na forma de arranjo de pagamento fechado deverão permitir a interoperabilidade entre si e com arranjos abertos, indistintamente, com o objetivo de compartilhar a rede credenciada de estabelecimentos comerciais.
A operacionalização do serviço de pagamento de alimentação por meio de arranjo de pagamento, não só atenta contra os princípios do programa como pode comprometer seu funcionamento.
Numa apertada síntese, em um arranjo aberto, por exemplo, o consumidor de um vale pode utilizá-lo em todos os restaurantes sem que os critérios estabelecidos no Programa sejam cumpridos e/ou fiscalizados.
Abrir a rede, num arranjo aberto, pode permitir a operação sem controle, inviabilizando os propósitos do PAT. Com efeito, não se pode pensar em soluções sem se importar com os objetivos do Programa, que tem incentivo fiscal e precisa demonstrar eficácia e eficiência.
Citando análise de Artur Almeida sobre o tema, ele diz que “o setor de vouchers, valorizando os objetivos do programa para o direcionamento do benefício para um fim específico, defendeu e defende a importância da manutenção do arranjo fechado. Quando se pensa em arranjo aberto ou fechado, que implica em se pensar em rede de estabelecimentos conveniados ao sistema de vouchers, na defesa da manutenção do sistema de arranjo fechado nas operações dos vouchers do PAT, é bom destacar que de forma geral não existe reclamação dos trabalhadores que se beneficiam do PAT no que se refere a rede credenciada. E as regras do programa vinculadas à alimentação precisam ser preservadas."
De se destacar, ainda, que a operadora que disponibiliza os vales é responsável pelo credenciamento inicial e pela supervisão das exigências impostas pelo próprio Programa, fiscalizando a observância dos critérios mínimos de execução e outros que eventualmente sejam acordados com o consumidor desses vouchers, de forma que sejam sempre cumpridos seus propósitos e objetivos.
Arranjos de pagamentos abertos são adequados para uso de recursos sem destinação específica ou direcionamento, o que não é, absolutamente, o caso do PAT.
Já em relação à portabilidade, ela está prevista no art. 182, abaixo transcrito:
Art. 182. A portabilidade gratuita do serviço de pagamento de alimentação oferecido pela pessoa jurídica beneficiária do PAT será facultativa, mediante a solicitação expressa do trabalhador.
Independentemente de ser facultativa ou não, a portabilidade pode desmotivar o empregador a aderir ao Programa, além de trazer muitos problemas ao processo de gestão de RH, apenas para citar um exemplo, além de grande insegurança jurídica, podendo até inviabilizar a concessão do benefício. Ao contrário do que ocorre no setor de telefonia, por exemplo, a portabilidade em relação ao PAT seria de difícil implementação em face das diversas modalidades de execução.
A Fecomercio já se manifestou a respeito da portabilidade por ocasião das primeiras iniciativas do Governo em introduzir a inovação, cujos termos reputamos importante transcrever na íntegra:
“A portabilidade não se mostra adequada para uma correta execução da legislação do PAT. Em termos técnicos, a natureza jurídica da relação estabelecida no âmbito do Programa é eminentemente pactuada entre a Empresa Empregadora que optou por aderir ao PAT e a Operadora. A Empresa Empregadora, aliás, é responsável pela parte majoritária dos valores disponibilizados, a título de benefício, e é quem faz a gestão de benefícios com o objetivo de obter ganhos de saúde e produtividade do trabalhador. O trabalhador é beneficiário do PAT em razão de seu vínculo de trabalho com a Empresa Empregadora. Cabe a empresa empregadora definir a operadora, estabelecer a relação jurídica contratual e é ela quem faz a decisão estratégica quanto a concessão de benefícios. O trabalhador, em verdade, recebe o benefício a título precário, ou seja, somente é beneficiado pelo programa por conta da sua relação de trabalho. Logo, não há legitimidade para o pleito. Fazendo um paralelo, temos o mercado de telefonia corporativa. Em que pese a possibilidade de portabilidade na relação estabelecida entre a operadora de telefonia e o consumidor final, quando se trata da concessão do celular, via uma relação de trabalho, não há que se falar em portabilidade. É a Empresa Empregadora que tem condições estratégicas de verificar qual seria a melhor rede de abrangência, dentro dos seus aspectos de negócio. Há também um ponto de concorrência estrutural relevante no tema de Portabilidade. Eventualmente, começar-se-ia se ver na prática uma série de políticas comerciais para a obtenção do trabalhador (“cashback”), a ponto de verificarmos o mesmo nível de discussões atualmente existentes quanto aos valores comerciais praticados, pelo mercado de delivery ao comércio. Logo, o ecossistema do PAT tão-somente seria desconsertado, sem a apresentação de nenhuma inovação para fins de reforçar o controle do seu funcionamento, a destinação específica do benefício e o acesso de alimentação com preocupações em termos de qualidade.”
Por todo o exposto, consideramos as alterações negativas e prejudiciais ao Programa. Em se tratando de um Decreto que visa promover uma nova regulamentação da Lei que instituiu o PAT, parece interessante também observar os limites do poder regulamentar, enquanto prerrogativa conferida para se editar atos visando complementar leis e possibilitar sua efetiva aplicação.