Demanda por planejamento sucessório cresce mais de 50%. Para 89% dos empresários, a nova geração não está preparada para assumir os negócios, de acordo com a KPMG
| Jornalista especializada em economia e negócios e editora do site varejoemdia.com
Se existe um assunto que qualquer empresário, seja pequeno, médio ou grande precisa discutir em algum momento, mas nunca gosta, é a sucessão no seu negócio.
E não tem jeito. Chega uma hora que é preciso passar o bastão para alguém da família ou de fora, para que a empresa continue andando e, de preferência, com sucesso.
As mortes provocadas pela covid-19 trouxeram este assunto à tona em empresas familiares, que representam de 60% a 80% das organizações no Brasil e no mundo.
Empresários que sequer pensaram em ‘largar o osso’ começaram a se preocupar com isso ao verem o falecimento de amigos e comandantes de outras organizações.
“A pandemia provocou diversas mudanças no mundo corporativo, como queda ou aumento de receita, necessidade de novas tecnologias, revisão de planejamento estratégico, e preocupação com a sucessão”, diz Pedro Adachi, consultor de empresas.
No último ano, afirma ele, o número de empresas comandadas por famílias, dos mais variados setores, interessadas em fazer um planejamento sucessório aumentou 50%.
Para Eduardo Benini, advogado especializado em planejamento sucessório, a clientela aumentou até mais do que 50%.
“Essa correria de agora é resultado direto do aumento do risco de morrer trazido pela pandemia do novo coronavírus”, afirma.
Pesquisa recente da KPMG expõe essa preocupação dos empresários. Qual é a questão mais importante para o sucesso de uma empresa familiar?
Resposta: para 82% deles, a preparação e a capacidade do sucessor são muito (33%) e extremamente importantes (49%).
A pesquisa revela que para apenas 11% dos empresários, a próxima geração, composta por filhos, sobrinhos, está preparada para assumir os negócios.
De acordo com a KPMG, em 2017, 16% dos empresários consideravam a nova geração preparada e, em 2018, 13%.
“Com a crise, os empresários viram que as suas organizações estão menos preparadas do que eles imaginavam para a sucessão”, afirma Sandro Benelli, consultor de varejo com experiência em sete empresas familiares.
CONFUSÃO
Existe uma confusão entre as famílias donas de organizações, de acordo com Adachi, ao associar transferência de gestão e ou de patrimônio com falecimento.
As mortes por covid-19, que já estão chegando perto de 500 mil no Brasil, acabaram antecipando, portanto, processos sucessórios previstos para daqui a anos.
A transmissão patrimonial está vinculada à morte, diz Adachi, porque trata de herança. Mas o fato é que todo esse processo pode acontecer durante a vida dos fundadores.
A transferência de gestão, igualmente, não necessariamente precisa acontecer com o falecimento do fundador.
“Aliás, a sucessão acontece não apenas na presidência, mas em diversos cargos de uma organização”, afirma o consultor.
FALECIMENTO DE SÓCIO
Há menos de um ano, um empresário do setor de serviços procurou Eduardo Benini, advogado especializado em planejamento sucessório, para desenhar um plano rápido de sucessão por causa da morte do sócio por covid-19.
O caso acabou se concentrando, de acordo com Benini, em conversas para organizar o pagamento dos herdeiros do sócio que havia falecido.
Aí é que começou o problema. Quanto vale o patrimônio, a empresa?
“Isso desaguou em um conflito que poderia ter sido evitado se, anteriormente, os sócios tivessem feito um plano de sucessão em caso de falecimento, inclusive com a forma de avaliação do negócio e pagamento de participações”, diz Benini.
Uma das maiores redes de varejo do país, o Magazine Luiza, começou a tratar do assunto em 2008, quando Luiza Helena Trajano Rodrigues saiu do dia a dia da empresa e passou o cargo de CEO para Marcelo Silva.
Na função até 2015, Silva coordenou o trabalho de sucessão da companhia que escolheu Frederico Trajano Rodrigues, filho de Luiza Helena, como CEO.
Hoje, Luiza Helena preside o conselho de administração do Magazine Luiza. Silva é o vice-presidente.
Fabrício Garcia, filho de Wagner Garcia (já falecido), primo de Luiza Helena, é o vice-presidente comercial e operacional do Magalu, com receita perto de R$ 44 bilhões.
Frederico e Fabrício cresceram juntos e, de acordo com pessoas que viram de perto o processo de sucessão da rede, sempre se deram bem.
Um processo de sucessão tranquilo é muito mais raro do que um conturbado. É por isso que as famílias não gostam de falar no assunto, de acordo com especialistas.
Para compreender melhor o que significa um processo sucessório bem planejado, Adachi faz uma analogia com uma corrida de bastão.
“Se o sucessor e o sucedido correm juntos, a transição será mais suave. Se não, a empresa sofre as consequências por colocar no comando alguém do dia para a noite.”
Não existe uma receita pronta, como a de um bolo. Cada empresa tem as suas peculiaridades. “Não basta copiar e colar, pois está se falando de pessoas”, diz.
Uma das famílias mais conhecidas da região de Campinas, dona da rede de supermercados Dalben, trata do tema internamente há cerca de dois anos e meio.
Depois da morte do fundador José Dalben, quem toca o negócio são três irmãos, Celso, Waldir e Walter, e o sobrinho Edson, filho de Sérgio, o quarto irmão, já falecido.
Filhos e sobrinhos dos quatro irmãos, com idades entre 28 e 34 anos, trabalham em diversas áreas da empresa.
Fernanda Dalben, 32 anos, diretoria de marketing da rede, filha de Celso, diz que terceira geração da família foi criada para colocar a mão na massa, indicando que o processo de sucessão na empresa, já em discussão, deverá ser tranquilo.
Ao ser perguntada se estaria preparada para dirigir hoje a rede, com quatro supermercados, ela responde que sim.
“Comecei muito cedo, com 14 anos, e já passei por várias áreas na empresa.”
PRODUTORES RURAIS
Benini tem sido muito procurado por produtores rurais e famílias de empresários de pequeno e médio porte, com faturamento anual da ordem de R$ 40 milhões.
São, geralmente, empresários com idades acima de 55 anos, preocupados em organizar o patrimônio para que os herdeiros possam receber suas heranças.
“Uma coisa é deixar o patrimônio para uma ou mais pessoas e outra é deixar a empresa. Neste momento, essas reflexões ocorrem de maneira intensa”, diz.
No caso de produtores rurais, muitos dos filhos são médicos. Como dizer para um médico que ele agora vai ter de cuidar de uma fazenda?
“Há casos em que é necessário preparar alguém da família ou de fora para exercer a função e organizar a relação da família com quem vai cuidar do negócio”, diz Benini.
No caso de produtores rurais, diz Benini, muitos têm tentado solucionar a questão da herança da seguinte forma.
Se o empresário tem três filhos, ele compra três fazendas e faz doação de uma fazenda para cada filho, e ele toca uma quarta fazenda.
Só que esta quarta fazenda, diz Benini, também acaba virando objeto de disputa quando o empresário não tem um planejamento sucessório para esta propriedade.
Para os empresários que estão vendo a necessidade de dar mais atenção ao processo de sucessão de suas organizações, aqui vão algumas dicas de Benini e Adachi.
- Não associe a sucessão empresarial com morte;
- Separe a sucessão patrimonial da transmissão da gestão;
- Busque entendimento entre membros da família e gestores da empresa;
- Não tenha receio de abrir a discussão para o processo de sucessão;
- Faça um levantamento detalhado do patrimônio, dos bens, o que é operacional, como armazéns, e o que é para o lazer da família, como sítios ou fazendas;
- Verifique a composição da sociedade, quem são as pessoas envolvidas e as regras;
- Inicie as conversas de maneira técnica, com a participação de filhos e herdeiros, considerando as relações pessoais e as leis.
- Se necessário, recorra à ajuda de profissionais especializados.